460 anos de SÃO PAULO. Arsenal da Esperança, patrimônio indispensável da cidade. Entrevista completa a Lorenzo Nacheli (da Fraternidade da Esperança)

Publié le 22-01-2014

de ARSENAL DA ESPERANÇA

Fale um pouco de quando você chegou a São Paulo e por quais motivos veio para a cidade (trabalho, estudo, missão...)?

Quando cheguei a São Paulo, 14 anos atrás, tinha pouca ideia do que fosse o Brasil. Tinha 24 anos e o que conhecia melhor deste país era a fama do futebol. De São Paulo conhecia ainda menos. Cheguei aqui como jovem missionário do SERMIG (Serviço Missionário Jovens) para colaborar na missão do Arsenal da Esperança, acolher dignamente os homens sem casa que batiam à nossa porta. Naquela época não tínhamos chegado às 1.250 pessoas que acolhemos diariamente hoje – acho que ainda acolhíamos 900 pessoas – mas já era uma tarefa complicada. 

Eu tinha feito o meu “noviciado” no Arsenal da Paz de Turim, a nossa casa mãe, e lá tinha aprendido um ditado que faz toda a diferença quando se quer acolher os mais necessitados segundo os cânones das bem-aventuranças: “dê àquele a quem você está acolhendo as mesmas coisas que você desejaria se estivesse na mesma situação de acolhido”. Dom Luciano teria dito para dar muito mais do que você desejaria. Seguindo esse ditado, a acolhida do Arsenal melhorou a cada ano e o Arsenal acolheu paulistanos, paulistas, gente de todos os estados e estrangeiros: 45 mil pessoas diferentes em mais de dezoito anos de atividade. Com o tempo, o Arsenal se tornou patrimônio indispensável da cidade de São Paulo, não somente para os mais pobres, que reconhecem diariamente a bondade desta casa, mas para todos aqueles que procuram um espaço de esperança no centro de São Paulo.

Quando pela primeira vez saí do avião no Brasil já senti a diferença. Naturalmente todos falavam português e eu não tinha aprendido ainda nenhuma palavra. Aprendi na marra, acolhendo pessoas na portaria do Arsenal. Nos primeiros seis meses tinha medo da cidade; eu chegava de Milão, uma das maiores cidades da Itália, parecida com São Paulo apenas por ter as mesmas vocações de centro financeiro do país, de criação de moda e de design; mas a cidade onde eu nasci não tinha nada a ver com aquela que me acolheria pelos próximos anos da minha vida. Dirigir, nem pensar; o trânsito, que não era aquele de hoje, me assustava; sair do Arsenal não era a minha prioridade. Conheci as “belezas” da cidade devagar, com o tempo, partindo de baixo, dos caminhos feitos pelos nossos acolhidos. 

Como você vivencia a sua fé na cidade? Quais traços da religiosidade italiana você consegue encontrar na Arquidiocese de São Paulo e na paróquia/grupo a que pertence?

O que qualquer um que é simplesmente cristão deve ser? Eu acho que ele tem que ser sinal de esperança – real, verdadeiro, concreto – para qualquer pessoa que o encontre. E é isso que nós da Fraternidade da Esperança tentamos ser. O nosso desejo é de não separar, é de unir para a construção de um mundo novo, onde todos podem se preparar para a vida nova. Todos somos chamados à mesma conversão e a sermos sinais do amor concreto que Deus é para nós; efetivamente nós somos esse amor concreto de Deus. Jesus, nascendo no meio dos homens, nos indicou o caminho. Encontramos o caminho na vida nos homens, no sofrimento confortado, na dor amenizada, na fome cancelada, no desabrigado acolhido. Somos sinais de contradição nesta cidade que esqueceu de ser feita para o homem e para a mulher. 

Guiados pela luz da nossa fé, colocamos os cidadãos que nos encontram frente à própria consciência, porque a nossa cidade imensa, mesmo se imensa, só se tornará feita para o homem se todos colaborarmos. Nós atrairemos outras pessoas se permanecermos transparentes, e as nossas igrejas se encherão novamente. A nossa fé não divide a cidade em cidade dos ricos e a cidade dos pobres, a cidade de quem trabalha e quer trabalhar daquela de quem não trabalha e não quer nada com nada; o Arsenal é aquele vilarejo que demostra que, com um mínimo de boa vontade, São Paulo pode ser a cidade de todos os homens e mulheres de boa vontade. Infelizmente, ainda hoje não é assim. Precisamos, percorrendo o caminho indicado pelos Evangelhos, convencer ricos e pobres.    

Como você avalia a acolhida dos paulistanos para os que vêm de outro país?

Reconheço que a cidade é acolhedora e que todos podem encontrar o próprio espaço na imensidão desta cidade. É uma grande mãe que não rejeita ninguém. Mas se não houvesse casas como o Arsenal, para muitos seria difícil entendê-la como mãe. Falamos dos mais de duzentos estrangeiros que estão acolhidos no Arsenal e que são somente a ponta do iceberg do grande problema da imigração não qualificada que estamos vendo neste período. É fácil acolher quem é rico ou quem traz riqueza, mas é difícil acolher quem não tem nada e quem está fugindo para não morrer. Que Deus possa nos ajudar a acolher todos como merecem.

Por fim, a cidade completa 460 anos no próximo dia 25. Se você pudesse, daria que presente para São Paulo?

Eu daria a São Paulo novos Arsenais, um para cada região. Sonho com uma acolhida para os mais necessitados em cada paróquia da nossa arquidiocese, com voluntários organizados que, com revezamentos sábios, se organizassem para acolher pessoas. Seria uma revolução de caridade na nossa cidade. 

Presentaria São Paulo com escolas mais eficientes para todos os jovens, ligadas às comunidades, onde os jovens, desde pequenos, aprendessem a não deixar ninguém para trás para subirem nas suas carreiras, aprendessem a importância do crescimento da comunidade, onde todos têm direitos e deveres. Sonho com milhares de jovens que, no seu processo de formação humana, possam crescer com o desejo de mudar a nossa cidade e que possam crescer com o “Começo Eu” no coração.


O SÃO PAULO (Semanário da Arquidiocese de São Paulo). 
Série: São Paulo, 460 anos de fé. 
Repórter: Daniel Gomes. 

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