Sônia Altomar

Publié le 05-06-2018

de ARSENAL DA ESPERANÇA

“Ontem, um aluno da Guiné Conakry me mostrou suas mãos feridas e me disse, quase chorando: ‘Professora, não sei até quando vou conseguir fazer este trabalho, para ganhar cinco reais por dia...’. Eu também tive que conter as lágrimas, pensando nesse rapaz, chegado ao Brasil cheio de sonhos para fugir da pobreza e das guerras étnicas de seu país. Houve a época do Mali, de Burkina Fasso... agora é a época da Guiné, da Mauritânia, do Congo. Muitos deles são engenheiros, advogados... mas, quando os encontro à noite, me falam de sua luta para sobreviver, carregando e descarregando caminhões de coco ou de cimento por 12 horas todos os dias.”

São palavras de Sônia Altomar, professora voluntária do curso de português para os acolhidos estrangeiros do Arsenal da Esperança. Seu sobrenome revela as origens italianas do marido, mas também significa o contrário de terra firme: recentemente, a obra de Edmondo De Amicis “Sull’Oceano” (No Oceano) – romance de 1889 que aborda o tema da imigração italiana nas américas (cuja leitura não faria mal a ninguém) foi publicado no Brasil com o título emblemático “Em Alto-Mar”, muito parecido com o sobrenome de Sônia. Em uma das passagens do livro, De Amicis descreve uma jovem camponesa que, sentada na soleira do dormitório do navio a vapor, segurando uma criança em seus braços, chora, como se, ao avistar a América, se convencesse de ter abandonado definitivamente a sua terra.

Eis aí a Sônia, uma das pessoas fundamentais porque “humanizam” a soleira entre os dois mundos, muito difícil de atravessar: junto à equipe de professores voluntários que coordena há anos, ela representa, para centenas de estrangeiros que cruzaram a porta do Arsenal – e do Brasil (para muitos deles as duas coisas coincidem) – a grande consolação de poder, ao menos, verbalizar aquelas lágrimas. Sônia e “os seus” dão voz e rosto aos primeiros fragmentos de diálogo, início de um lento download de emoções e lembranças que passa pelo progressivo domínio da palavra.

Sônia foi criada na escola do grande educador Paulo Freire: a alfabetização como método para “dar a palavra” aos oprimidos. Nos anos 1960, ainda muito jovem, desafiando as proibições do regime militar, organizou um curso de alfabetização de adultos na sua paróquia, coordenada por uma congregação canadense. Chegavam missionárias de Quebec e a convivência com elas lhe despertou o desejo de estudar aquela língua... Depois de 36 anos ensinando a língua portuguesa e a francesa, o Arsenal lhe ofereceu a possibilidade de continuar a sua missão: dar a palavra aos tantos oprimidos que continuam a ter mãos feridas. Uma verdadeira paixão! (S.B.)

Ce site utilise des cookies. Si tu continues ta navigation tu consens à leur utilisation. Clique ici pour plus de détails

Ok